25.8.08

 
Supersuperficial



Queria ser menos. Menos profundo. Menos sincero. Menos humano.

Não esse ser cheio de dúvidas e conflitos e problemas que fica se expondo por aí como se alguém tivesse interesse em saber dessas questões tão pequenamente pequenas.

Queria ser mais chão. Mais raso. Falar de novela. De futebol. Do novo namorado da atriz.

Mas cisma com filosofia. Com assuntos socioculturais. Com o sentido da vida. Como se fizesse sentido pensar no sentido da vida.

Um dia chegará lá. Onde está a maioria. Onde grassa a graça dos que acham normal ser comum na multidão.

Nesse dia, esgotado de si, falará somente dos outros com a pertinência de quem brinda a própria ausência.

Repleto de vazio, será supersuperficial, arrancando da superfície a profundidade de um ego enterrado na mesmice.

19.8.08

 
Olimpíadas do fracasso



Minha medalha é a de latão. De lixo.

Dele tiro a comida e todas as glórias que a ingloriosa vida me dá.

Meu reconhecimento é ficar escondido sob este viaduto, ouvindo os carros que ninam meus pesadelos e os ratos me mimam.

Imbatível no revezamento de comer dia sim, dias não, compito na categoria peso-mosca, barata, pulga e outros insetos que disputam o espaço desse estádio de sítio.

Nesse uniforme de plástico, pratico várias modalidades: fome à distância, mendicância sincronizada e corrida da polícia.

Quebro recordes mundiais e mundanos e o único hino que ouço é a serena sirene da viatura que quer tirar tudo de quem nada tem ─ aqui não dá pra dar bandeira.

Meu ouro é o choro desses rebentos que dormem ao relento, futuros campeões na arte de perpetuar atletas do fracasso.

Eu vivo por esporte.

E o pódio do ódio é um lugar de onde nunca vão me tirar.

12.8.08

 

Malabares no ar

Brinca com meus desejos como malabares no ar.

Sei que, a qualquer vacilo, eles vão se espatifar, embora ache que os domine perfeitamente com a habilidade adquirida há anos.

No começo, tinha cuidado. Não os jogava tão pro alto. Cadenciava os movimentos com a candura de quem sabe que manipula algo frágil. Concentrava o olhar, cioso da preciosidade que lhe fora agraciada.

Mas hoje você deseja muito mais que meus desejos. E, por mais que tenha me entregue completamente, acho pouco esse tudo de mim. E acrescenta novos desejos a esse jogo que só segue suas regras. E os mistura com insensatez incessante.

Quando o primeiro deles cair, descobrirá que entre os que sobraram não estará mais nenhum dos meus.

E desejará que volte a desejá-lo.


5.8.08

 
Essa onda diet que emagrece a vida



Como porque é sólido, porque se fosse líquido me liquefazia afogado nas ondas quentes da minha própria bulimia.

Se me escondo atrás do topo do prato que monto, é só porque não quero olhar pra sua cara magra de repulsa diante das montanhas de banhas que o impedem de enxergar quem sou, e o faz ver apenas como estou.

Aliás, assistindo à sua assitia, creio ser mais feliz comendo do que você arrotando a esquelética magreza de quem nunca sucumbiu aos prazeres da mesa.

Sou o que como e, como como muito, sou mais eu do que você, que taí se privando de tudo e jogando na privada o pouco que lhe resta dessa anorexia forçada.

Fartura para mim é viver em abundância, ainda que me pese o peso deste corpo gordo cuja gula é sempre muita e o muito, muito pouco.

Enfim, se não adoça sua vida, não azede a minha e aceite o oposto daquilo que lhe traz tanto gosto.

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