25.8.09

 
O povinho do pacote


O povinho do pacote anda em bandos, porque ainda não aprendeu a andar sozinho.
Tira foto do avião pra guardar de recordação do primeiro voo; igual criança que vai pro zoo.
Aplaude quando o avião aterrissa.
Pode ser reconhecido de longe mesmo no escuro (tem o logotipo da agência de turismo piscando na testa, feito neon).
Passeia por todos os lugares, mas obviamente só nos lugares óbvios.
É teleguiado por guias animados em “city tours” manjados e mal-ajambrados.
Não fica muito tempo na balada, porque precisa acordar cedo pro “city trouxa”.
Não aproveita o café da manhã do hotel caro, porque o guia já tá chamando pra próxima presepada.
Fica com a primeira pessoa nativa que aparecer só pra poder dizer: “eu catei uma de lá”.
Faz turismo ecológico, mas deixa seus restos escatológicos na trilha.
Perde-se de si, mesmo sem nunca ter se encontrado.
Passa uma semana e diz que conheceu a cidade toda (ou só a cidade tola?).
E, feliz da vida, volta pra casa, de onde nunca deveria ter saído.

18.8.09

 
Vagantes


Nosso lugar é o vazio.
Somos filhos do nada com coisa nenhuma. Nossa missão (ou submissão) é perambular eternamente pelas ruas pra não poluir a paisagem ou machucar muito os olhos de vocês; por mais insensíveis que sejam, sabemos que os machucamos pelo menos um pouco naquele meio segundo que levam pra desviar o olhar.
Andamos como se não existíssemos e periga não existirmos mesmo, embora nossa realidade seja nua e crua e cruel.
Resto do resto do que sobrou de vocês (que já não são grande coisa), caminhamos tortos e com cobertores rotos, sempre sem rostos e rotas e arrotando no destino.
Seguimos o nada que nos segue sem rastros, mas nos acompanha com fome, frio e cansaço.
Surgimos aos montes e em bandos que estão à margem da sociedade e ao mesmo tempo são afogados por ela; sim, insistimos em ressuscitar, ainda que tenhamos morrido há tempos.
E como não podemos mais estar aqui, concluímos dizendo que o único sentimento que temos é a leve impressão de que algum dia tivemos algum.

11.8.09

 
Essential things of Brazil


Caetano Veloso
Chico Buarque
Milton Nascimento
O inglês, temido rangendo de enferrujado, é elogiado como o melhor que ela ouviu no Brasil.
Zeca Baleiro
Lenine
Ele retribui emprestando o xampu de romã quando ela diz que precisa voltar pro outro albergue pra pegar o que tinha esquecido. Após cinco minutos, ela sai do banho com as unhas dos pés não totalmente limpas. As gringas não são tão asseadas como as brasileiras, ele pensa.
Chico César
Cartola
É polonesa e estuda música. Piano e harpa africana (ele acha ótimo ter descoberto que os quartos são mistos).
Cássia Eller
Céu
Tiê
Falam da música daqui. Ela pede uma lista.
Cupuaçu
Bacuri
Saem no mercado principal e ele mostra as frutas. Fala da comida. Dá sucos pra ela provar (“‘bé-cou-ri’ is pretty good”). Tiram fotos. Andam de mãos dadas ─ “há roubos e sabem que você é turista”.
No outro dia ela vai embora. E ele deixa o e-mail na esperança de que ela volte e descubra a única coisa que pra ele realmente é essencial no Brasil.

4.8.09

 
A liberdade que eu tenho pra sonhar


Antigamente, eles até deixavam os pensamentos tomarem banho de sol.

Raríssimos, é verdade. Dois ou três por mês. Temiam que eles ultrapassassem as áreas delimitadas (há tantas aqui que era mais fácil não limitar o que extrapolou o limite). Até que um louco (só podia ser louco) ousou pensar grande demais e sonhar acordado. Seus pensamentos quase cruzaram os muros e por pouco não se transformaram em sonho; palavra mais odiada por eles. O castigo foi fulminante pra todos. Pensar ficou proibido também. Palavras que a gente fala agora, só as das cartilhas. Elas ensinam a resposta pra cada pergunta ─ quando nos deixam dizer, é claro. Este ano, por exemplo, não. Dia desses eu tava olhando a lua e não sabia o que fazer. Procurei nas cartilhas e nada. Mas sempre eles criam uma nova. Repetem que nós, os imprestáveis, não precisamos nos preocupar com nada.

Nem com o fato de que eles estão acabando de vez com a gente e com toda a liberdade que eu tenho pra sonhar.

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