10.12.20
Desminhar
Das minhas entranhas, eu arranquei você.
Corpo estranho que se incorporou em mim como se fosse meu novo normal.
No começo, fingiu ser minha nova autodefesa.
Construiu paralelepípedos que rodeavam meu pâncreas na falsa pretensão de erguer uma fortaleza interna contra meus inimigos mais figadais.
Tudo por puro amor e pra me proteger, você dizia.
Depois, transmutado em sanguessuga que vampiriza até a alma, sorveu cada gotícula das minhas lágrimas de sangue.
Como se quisesse usar litros e mais litros delas num despacho.
Um parasita que se contorcia gozando ao me despachar da minha própria vida.
Impregnados em você que agoniza neste chão imundo, também saíram de mim nervos, músculos, ossos, sonhos e a bílis pegajosa que faz os ratos sambarem antes de jantar o que restou de você.
O oco que você deixou em mim, com seu vácuo infinito, me lembra que terei que me complementar após tantos vazios internos e eternos.
Mas mesmo esvaziada de mim, fico repleta ao ver agora seu corpo já esvaído de você.