15.6.09

 
De onde a gente parou


De onde a gente parou, não dava pra ver, sentir, ouvir, falar ou adivinhar se era mesmo o fim ou só uma pausa. Mero obstáculo. Retomada pra voltar com energia revigorada. Menos problemas. Mais soluções. Menos brigas. Mais paciência. Novas formas de convivência. Novos sonhos. Nova vida.

De onde a gente parou, tava nublado, mas apesar do frio aquecia-nos um sereno de esperança de que o coração ia se derreter um dia. Quebrar o gelo. Pulsar de novo. Não como antes, claro. Seria pedir demais. Mas pelo menos o suficiente pra nossas mãos sentirem (sim, algo em nós voltaria a sentir) umas leves e espaçadas batidas.

De onde a gente parou, conseguíamos ver vultos que não al─can─çá─va─mos o que eram ─ acostumados que estávamos a não sairmos de nós ─, embora os temêssemos por nos sabermos menores que eles. Por termos tremor e nos termos inferiores a tudo. E pensar que antes não cabíamos em si de tanto descabimento.

De onde a gente parou, até dava pra continuar, mas não há volta.

12.6.09

 
Minifato XII
(a realidade goleando a ficção)


A Musa dos Garis, que desfilou sua alegria em 61 escolas de samba de São Paulo, ganha a vida com a morte: é carpideira.

9.6.09

 
O cheiro do seu cabelo


─ Vou ficar rico.
─ O quê?
─ É, coisa de milhões.
─ Ah, tá. Claro. Nesta encarnação ainda?
─ Sim, vendendo o cheiro do seu cabelo.
─ Xi, pirou de vez.
─ Tá tudo na minha memória. Todos os componentes químicos.
─ E vai vender pra quem? E pra quê? Por quantos centavos?
─ Ué, pra uma multinacional. Chanel que se cuide. Boticário então, nossa, é falência na certa.
─ Interessante... E usará a grana pra sair do hospício?
─ Que nada. Quando a primeira mulher experimentar e falar pra amiga e contar pra prima e espalhar no bairro, a gente tá rico.
─ Tá, digamos que consiga copiar. E daí?
─ Como e daí? Se todo homem sentir o que eu sinto, todas vão ficar alucinadas pra usar esse perfume.
─ Legal. Bom mesmo.
─ Genial a ideia, né?
─ Sim, muito. E todas terão meu cheiro? E você vai me trocar por qualquer uma, já que não haverá diferença? E o mundo ficará insuportavelmente igual?
─ Que nada. Aí pegamos a grana, compramos uma ilha deserta e só a brisa do mar vai se lamentar de perder pra você.

2.6.09

 
A testemunha

Inspirado na obra de Saint Clair Cemin


Mesmo estando em cima dela, o peso desta cadeira me é insuportável.

Pairam sobre ela os olhares nada cegos da justiça e sob ela o reflexo dos meus temores que encharcam o piso.

A culpa, que não é minha e nem do acusado, também não pode ser de quem é, pois maior que o juramento que fiz aqui é a jura de morte que me fizeram lá.

Nesse lusco-fusco entre a consciência e a sobrevivência, as memórias apagadas pela sombra do medo tentam esconder-se da ofuscante luz da verdade.

Salvando, sei que aquilo que omito pode me tornar culpado. Culpando, emito minha própria condenação. Calando, tento uma saída em vão.

Com nada mais a declarar além do que não disse, atesto que a única culpa, na verdade, é de quem me pôs-prostrou aqui.

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