22.6.21

 

O curioso caso de Benjamin Botão

 

 

Nasço?

 

Nasço, não.

 

Apenas renasço.

 

No eterno recomeço que mesmo antes de findar finda seu próprio encerramento.

 

Contínuo 8 ou 80 ou 800.

 

Hoje velho, apoiado na bengala e desapoiado pelas dores.

 

Amanhã novo, sambando na navalha e destroçando amores.

 

Depois, a meia idade das experiências inteiras.

 

Após, a pré-adolescência das certezas passageiras.

 

E então, o bebê que nina a si mesmo já sonhando com as insônias futuras.

 

Aí, o tiozão sessentão que faz troça com a bela moça que passa, mas tropeça na poça das suas lágrimas de desgraça.

 

Anos de um calendário em que os dias viram meses, que voltam pra minutos, que se transformam em décadas apequenadas no zás-trás de cada segundo.

 

O tempo que eu levo pra ser eu seculariza a minha eternidade em milésimos de recomeços.

 

Anos-luz de trevas e clarões.

 

Foi, é e será assim.

 

Semente? Não.

 

Só germino o futuro pra frutificar o passado e colher meu presente.


6.6.21

 
Bailarinas mancas caem numa piscina de fogo


O sessentão ouve New Order na garagem e tenta ordenar um sábado sem razão.

Ao longe, Caetano Veloso estaciona o carro no Leblon e baliza o fato de que algo está fora da nova ordem mundial.

Mas nem na Alegria, Alegria desconfiam disso nas subidas e descidas da Vila Ipojuca.

Escadarias que dariam em roubo e dão em mais casas, que contam histórias, que acabam num casamento impensável na igreja furtada pela pandemia.

Hóstias passam de mão em mão em cada vírus do céu do sermão e do gel do senão.

O Sol nas bancas de revista avisa:
“Veja, não há mais bancas nem revistas”.

Aos pares, casas e casais mostram porque nunca casas.

Arquiteta a sua solidão o vazio das ruas tão desabrigadas de quem lhe faça par.

Ímpar, segue caminhando contra o vento, sem lenço e sem alento.

Mil anos depois, estende os braços e o coração a alguém que finalmente o consola, mas seu pas de deux tropeça nas palavras jogadas no caleidoscópio onde bailarinas mancas caem numa piscina de fogo.

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