31.1.21
Asfixia
O ar que me inspira transpira e me pira.
Pelos poucos porcos poros
imploro:
arfar não é sinônimo de respirar.
Em pleno pulmão do mundo
a confusão do submundo
nos corredores estreitos de hospitais
que são o poço do poço sem fundo.
No meio de tanta chacina
a falta fatal da vacina.
Sem tubos de O2
sem esperança pra depois
sem dar nome aos bois
sem salas de UTI
e sem ninguém pra discutir.
Nos cemitérios as retroescavadeiras empilham corpos
que feito gado vão putrefando no gramado
de covas rasas e lágrimas profundas.
Na falta de coveiros as máquinas fazem a todo tempo
o trabalho sujo de uma crise que não foi passada a limpo.
Numa cidade em que respirar virou luxo
a morte ri desse destino tão bruxo
e num suspiro tira o ar de mais um
que de tanto secar ficou murcho.
E com tantos mortos e afasia
olha só que ironia:
o pulmão do mundo virou o reino da asfixia.