27.1.09
O pedido
Visivelmente desconfortável no terno que com certeza vestia pela primeira vez. Desses comprados em liquidação. A mão, grudenta de sebenta, cumprimentou a minha efusivamente. Gesto arrematado pelos indefectíveis tapinhas com força nas costas; tentando mostrar saudade e alegria por me ver.
Perguntou se podia sentar-se com uma subserviência inimaginável em outros tempos. Disse que eu estava bem. Aparência muito melhor que a dele. Lembrou da época da faculdade. De como todas as garotas eram apaixonadas por ele. E só os livros gostavam de mim.
E o tempo passando.
Falou que sempre pensou em me ligar. Lamentar-se pela última briga. Agradecer-me pelas milhares de vezes que o ajudei. Desculpar-se por recusar a única coisa que lhe pedi.
E eu com milhões de projetos para tocar.
Elogiou meu sucesso.
Quis saber da Maria Alice.
Das crianças.
Do cachorro que sorria na foto.
(Será que o estoque de assunto tá acabando?)
Explicou que...
─ Cara, já que você sabe que vou negar mesmo, por que não pede logo???
Visivelmente desconfortável no terno que com certeza vestia pela primeira vez. Desses comprados em liquidação. A mão, grudenta de sebenta, cumprimentou a minha efusivamente. Gesto arrematado pelos indefectíveis tapinhas com força nas costas; tentando mostrar saudade e alegria por me ver.
Perguntou se podia sentar-se com uma subserviência inimaginável em outros tempos. Disse que eu estava bem. Aparência muito melhor que a dele. Lembrou da época da faculdade. De como todas as garotas eram apaixonadas por ele. E só os livros gostavam de mim.
E o tempo passando.
Falou que sempre pensou em me ligar. Lamentar-se pela última briga. Agradecer-me pelas milhares de vezes que o ajudei. Desculpar-se por recusar a única coisa que lhe pedi.
E eu com milhões de projetos para tocar.
Elogiou meu sucesso.
Quis saber da Maria Alice.
Das crianças.
Do cachorro que sorria na foto.
(Será que o estoque de assunto tá acabando?)
Explicou que...
─ Cara, já que você sabe que vou negar mesmo, por que não pede logo???
20.1.09
Melhora
Ontem estava melhor. Surgiu até uma ligeira vontade de falar com alguém.
Ontem estava melhor. Surgiu até uma ligeira vontade de falar com alguém.
À Judas
Tem gente que agrega.
Tem gente que à grega.
Tem gente que agrega.
Tem gente que à grega.
Miséria
─ Precisava dar 11 tiros no infeliz?
─ Comigo não tem miséria.
─ Precisava dar 11 tiros no infeliz?
─ Comigo não tem miséria.
12.1.09
O que você vai fazer da sua vida agora?
Mijos em quem a colocava no colo. Boletins ensanguentados de vermelho. Colas pegas até nas pregas. Expulsões constantes na escola. Relações precoces com garotos descamisados e sem tradição, família e propriedade. Fama de quem não sai da cama. Pílulas do dia seguinte tomadas quase todos os dias. Abortos a céu aberto. Namoros sem noivados, muito menos casamentos. Rolos que só a deixam mais enrolada. Cursinhos que nunca a colocaram em curso. Vestibulares fracassados, mesmo em faculdades malfaladas. Viagens pra fora da realidade e passagens por delegacias. Intercâmbios que só a fizeram crescer de lado. Estágios que pagam uma miséria e não cobrem seus gastos. Amigos perdidos por dívidas nunca pagas. Cheques sem fundo, sem medida e sem-vergonha. Noites sumidas com gente desencontrada. E o grande ápice: conseguir transformar uma droga de vida numa vida que é só droga.
─ O quê? Ah, tá. Você tem uma novidade. Vai, fala. Não! Espere eu sentar primeiro.
Mijos em quem a colocava no colo. Boletins ensanguentados de vermelho. Colas pegas até nas pregas. Expulsões constantes na escola. Relações precoces com garotos descamisados e sem tradição, família e propriedade. Fama de quem não sai da cama. Pílulas do dia seguinte tomadas quase todos os dias. Abortos a céu aberto. Namoros sem noivados, muito menos casamentos. Rolos que só a deixam mais enrolada. Cursinhos que nunca a colocaram em curso. Vestibulares fracassados, mesmo em faculdades malfaladas. Viagens pra fora da realidade e passagens por delegacias. Intercâmbios que só a fizeram crescer de lado. Estágios que pagam uma miséria e não cobrem seus gastos. Amigos perdidos por dívidas nunca pagas. Cheques sem fundo, sem medida e sem-vergonha. Noites sumidas com gente desencontrada. E o grande ápice: conseguir transformar uma droga de vida numa vida que é só droga.
─ O quê? Ah, tá. Você tem uma novidade. Vai, fala. Não! Espere eu sentar primeiro.
9.1.09
Minifato IV
(a realidade goleando a ficção)
(a realidade goleando a ficção)
O marido traído que dou o rim pra esposa, agora o quer de volta.
Mal sabia ela que, ao não perder a vida, ganharia um inimigo figadal.
7.1.09
Xadrez de olhar
O velho vira com raiva a última folha do jornal que lê pela terceira vez, olha para as 50 mesas vazias do clube e apaga o 12° cigarro do dia. As peças brancas do xadrez, à disposição para estimular um possível adversário, esperam há horas alguém surgir.
Do outro lado, na portaria de vidro feita para impedir o barulho (qual barulho se não há ninguém?), seu Virgílio vê a cena diária se repetindo. A mão que apóia a cabeça sente mais o peso do desânimo do que da cabeça.
E pensar que o clube fora tão diferente. Lotado, com filas de gente para jogar nos campeonatos que atraíam os melhores do Brasil e do mundo. Tantas histórias. Como a da mulata sargentelesca que arrumaram para tirar o sono de um russo na véspera da final. Hoje, nem as moscas vêm mais. A internet acabou com tudo.
Seu Vírgilio acena pro velho, que não retribui.
O velho pensa na vida (ou na falta dela).
Seu Vírgilio pisca e cochila.
O velho irrita-se mais.
Seu Vírgilio ronca.
O velho joga o rei no cinzeiro e se levanta.
O velho vira com raiva a última folha do jornal que lê pela terceira vez, olha para as 50 mesas vazias do clube e apaga o 12° cigarro do dia. As peças brancas do xadrez, à disposição para estimular um possível adversário, esperam há horas alguém surgir.
Do outro lado, na portaria de vidro feita para impedir o barulho (qual barulho se não há ninguém?), seu Virgílio vê a cena diária se repetindo. A mão que apóia a cabeça sente mais o peso do desânimo do que da cabeça.
E pensar que o clube fora tão diferente. Lotado, com filas de gente para jogar nos campeonatos que atraíam os melhores do Brasil e do mundo. Tantas histórias. Como a da mulata sargentelesca que arrumaram para tirar o sono de um russo na véspera da final. Hoje, nem as moscas vêm mais. A internet acabou com tudo.
Seu Vírgilio acena pro velho, que não retribui.
O velho pensa na vida (ou na falta dela).
Seu Vírgilio pisca e cochila.
O velho irrita-se mais.
Seu Vírgilio ronca.
O velho joga o rei no cinzeiro e se levanta.