27.12.14
Cesta de Natal
Cem gramas de esperança podre
comprada na correria do fim da feira porque era mais barato.
Cem gramas de grama pra servir
de couve gourmet pro burro que nasceu pra pastar na vida.
Sem ganas que nem precisam
ser compradas porque não valem nada.
Toneladas de frutas e vidas secas
pra serem regadas com o choro moído da discórdia.
Presuntos defumados com a fumaça
dos micro-ondas de traficantes do ódio.
Dúzias de falsidade estragada
pelos entreabertos tapioéres do desencanto.
Dúzias de falsidade reciclada
pelos sorrisos ocres de quem dá tapinhas e facadas nas costas.
Quilos de desejos-de-tudo-de-bom
regados ao pegajoso caldo de tudo-de-péssimo.
Tigelas de votos de ano iluminado
apagado pela bílis negra do sarcasmo.
Travessas de sonhos recheados com
o veneno dos pesadelos amanhecidos.
Forminhas enfeitadas de boas
vibrações e adornadas só com péssimas intenções.
Presentes inúteis de quem se faz
ausente o tempo todo.
Trocas impossibilitadas por códigos
de barras pesadas.
Uma meiga embalagem.
16.12.14
Particularidades
Temos algumas, digamos assim, particularidades.
A principal é que adoramos eufemismos.
Se você não sabe o que é eufemismo, vai sentir
ainda mais as nossas particularidades.
Mas não ficaria preocupado com isso. Por ora.
Adianta nada se preocupar.
É até curioso, mas temos uma ala de preocupados; fica
logo ali nos fundos. Depois dos inconformados.
Eles ganham o mesmo que os outros.
Ganhar é maneira de falar, é claro.
Você já deve estar percebendo que tipo de ganho
pode se ter aqui. Se é que não lhe avisaram. Sim, também há a ala dos
desavisados.
É a que mais dá pena.
Mas como pena, remorso, dó e solidariedade são
sentimentos que raramente temos, nos raros dias em que um sentimento tem a
audácia de brotar em nós, sentimos pena nenhuma deles.
Não fique assim. Você também não sentirá.
Sentimentos estavam na primeira cláusula daquelas
letrinhas miúdas, lembra?
Ah, não lembra?
Que bom.
Mais um pra ala dos esquecidos.
Que não vão esquecer nunca mais.1.12.14
Transformação na TV
Estivéssemos não viciados, veríamos que o vício que condenamos
revela o mau hálito do fétido hábito que temos.
Manteríamos no anonimato esse rosto roto carcomido pelo crack
e a beleza de outrora não resplandeceria nossas vilas e vilezas.
Abandonaríamos esse pão e circo em que entramos com o
palhaço e o fermento e diminuiríamos o Ibope que nos torna massa podre de
manobra.
Concordaríamos que essa drogada jogada na sarjeta agora se
faz de rogada e implora perdão pra culpa que é só nossa.
Atiraríamos a primeira pedra em nós mesmos e deixaríamos que
cada um encontre a pedra que quiser no meio do caminho.
Aspiraríamos o pó da nossa raiva sem
conta-gotas e injetaríamos na veia a velha e vã vergonha alheia.
Transformaríamos primeiro em nós a
transformação que ansiamos nessa que antes nem enxergávamos.
Fôssemos menos canibais, saciaríamos nossa nóia e brisaríamos
ao ver que não há cachimbo da paz na guerra de audiência que só alicia a nossa
desgraça.