31.3.15
O Amor É Uma Coisa
Quentinha
Minhas fofas, meus fofinhos, sejam bem-vindos a mais um (trilha melosa) “O Amor É Uma Coisa
Quentinha”.
O programa que traz deliciosas receitas para aquecer o seu
coração.
Hoje temos a carta da querida Edi... Edineleusa, de São José
do Cupido Sem Flecha.
Ela diz aqui que tem 83 anos, já casou 11 vezes, noivou 15,
namorou 139 e continua “flertando” por aí...
Nossa! Você não perde tempo, né?
Apesar disso, (trilha
triste) não achou o grande amor da sua vida.
Ah, Edi, fica triste, não.
Pegue um homem maduro, cozinhe bem, vá mexendo bastante, regue
com molho de cerveja (várias por dia) e ponha um quilo de fermento.
Pronto! A paixão dele vai crescer e você terá um amor ENÓÓÓRME.
Como tenho certeza? Experiência, querida.
Meu maridão, por exemplo, faz tudo por mim.
Né, amor?
Ele surge atrás dela, pega a faca e, em vez de ajudá-la com
o prato, a ataca pelas costas.
Seu sangue, que jorra quentinho pela garganta e inunda o
prato, será usado no próximo programa “Amor à Cabidela”.
24.3.15
Ninguém taí pra nada
− Ele quer falar com você.
− Quem é?
− Ninguém.
− Como assim, “ninguém”???
− Foi o que ele disse quando perguntei: “‘Eu não sou ninguém’.
Mas ele me conhece...”
− Tá sozinho?
− Falou que não precisa de mais ninguém.
− Se fosse vocês, não abria.
− Você não é a gente.
− Que bom. Porque pelo jeito ele veio acertar as contas só com
você.
− Ninguém tem nada pra acertar comigo.
− Ele tem.
− Ele é um Zé Ninguém.
− Ah, então você conhece o cara?
− Não, mas com um papinho desse só pode ser um babaca.
− Tá com medo por que então?
− Quem disse que eu tô com medo desse otário?
− Suas mãos tremendo, talvez...
− Eu não devo nada pra ninguém.
− É, tem acerto que já começa errado...
− Ele deve ter se enganado de casa.
− Se errou, se você não deve nada e se não tá com medo, abre
logo essa porra!
− Vou abrir.
− Cara, não vai na dele. Não abre essa porta.
− Por quê? O que esse imbecil pode fazer?
− Não sei. Mas ninguém taí pra nada.
3.3.15
Insônia
Entregues por um motoboy fantasma, drones sobrevoam minha insônia
como discos de pizza gordurosos que pingam óleo fervente na minha cabeça.
À conta, errada como sempre para mais, somam-se pesadelos que
nem vieram, mas se fazem presentes na certeza onírica de que o pior piorará.
E não há como e nem porque pagar.
Qual a dívida? Quando a contraí e por que ela tanto me retrai?
Como digerir a angústia que se oferece − se impõe! − fria na
sua quietude ardilosa que vai queimando a bílis que escurece tudo?
Por que mastigar esse destino indeglutível que mais se avoluma quanto mais se apequena?
Por que mastigar esse destino indeglutível que mais se avoluma quanto mais se apequena?
Quem traçou essas bem estraçalhadas linhas que me estilhaçam
e convergem todas para a divergência?
Mal enfronhado num travesseiro que inveja bigorna, tento,
tento, tento ainda tentar.
Mas para quê? Pra quem?
Dormir não é a solução: preparadas para cumprir a sua
função, novas insônias nunca adormecem em seus postos de batalha.
De tudo, restam só o ronco e o eco oco de quem se julga
inocente.