31.10.15
De chinelo no AMA
De chinelo no AMA, ela encara a multidão, senta, dobra,
redobra e desdobra a senha 597 e olha pro atendente pra ele adivinhar a
gravidade do caso; mas ele não a vê.
De chinelo no AMA, ela espera (sim, ela tem
esperança) três horas, xinga o 473 do painel, levanta pra tomar água (água eles
têm) e mostra a barriga quase arrebentando o rebento (além de tudo, ela carrega
outro com ela; deveria já pegar senha pra ele).
De chinelo no AMA, quatro horas depois ela fala pro
atendente (de cabeça baixa) que esperou meses pela tomografia, deu uma tal de
metástase e mandaram fazer químio urgente.
De chinelo no AMA, ela consegue que o atendente a olhe
de baixo pra cima e a veja de chinelo no AMA.
De chinelo no AMA, ela ouve que pode ficar
tranquila, que já vai entrar na fila do SUS pra poder “estar sendo encaminhada”
(assim que possível) a um “hospital de referência”.
De chinelo no AMA, ela sai com um formulário que
traz em destaque um A (de prioridade alta).
23.10.15
Levy, o Leve
Do alto desta Fazenda
rolo feito dólar acima e real abaixo
nos fartos falsos boatos que não lavam a jato
as porcas e não poucas poupanças gordas deste
planalto.
No dolo desta moenda
juro que não jogo ou julgo
a moeda de troca e troça
desse fogo amigo com juros, ônus e oxiúros oriundos.
Se finjo que saio, mas retifico
e ratifico que não me retiro
dou à
economia um curto suspiro
e digo
ao SUS que surto, mas nunca piro.
Se bluma me levou, se pluma vou, se luna estou, mas lunes já não sou
me sinto leve, breve e quase ultraleve
me sinto leve, breve e quase ultraleve
ainda que pousem em minhas costas
todos os desgostos e esgotos desse povo roto e sem rosto.
todos os desgostos e esgotos desse povo roto e sem rosto.
Nesse eterno ficar ou sair
subir,
descer ou pagar pra ver
faço de mim o elevador
do meu próprio padecer.
E mesmo que eu renda tantos déficits de mim
inflacionados em dívidas e dúvidas mirins
não vou deixar que me transformem assim
de Levy, o Leve
para Levy, o Levem.