31.10.15

 
De chinelo no AMA


De chinelo no AMA, ela encara a multidão, senta, dobra, redobra e desdobra a senha 597 e olha pro atendente pra ele adivinhar a gravidade do caso; mas ele não a vê.

De chinelo no AMA, ela espera (sim, ela tem esperança) três horas, xinga o 473 do painel, levanta pra tomar água (água eles têm) e mostra a barriga quase arrebentando o rebento (além de tudo, ela carrega outro com ela; deveria já pegar senha pra ele).

De chinelo no AMA, quatro horas depois ela fala pro atendente (de cabeça baixa) que esperou meses pela tomografia, deu uma tal de metástase e mandaram fazer químio urgente.

De chinelo no AMA, ela consegue que o atendente a olhe de baixo pra cima e a veja de chinelo no AMA.

De chinelo no AMA, ela ouve que pode ficar tranquila, que já vai entrar na fila do SUS pra poder “estar sendo encaminhada” (assim que possível) a um “hospital de referência”.

De chinelo no AMA, ela sai com um formulário que traz em destaque um A (de prioridade alta).

De chinelo no AMA, não se ama.

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