31.5.16
Estamos todos com você
Quando os 33, 333 ou 3.333 fizeram tudo aquilo com você, nos
estupraram também.
Aos nossos vazios já tão inundados de corrupção, lama e
caos, eles incorporaram seus corpos imundos que chafurdaram nas redes e rodas
de conversa.
Cada pedaço do seu corpo ali exposto provou como esses
marginais nos deixam à margem da dignidade que sonhávamos ter e no centro dos
pesadelos que tentamos evitar.
Mas você não está sozinha: compartilhamos nossos sentimentos
e zilhões de postagens, curtimos a citação da citação daqueles que são sempre
citados, rechiteguiamos o fim da cultura do estupro, fizemos murais com
cartazes e palavras de ordem pra que tamanha desordem nunca mais insista em nos
penetrar.
Onde quer que você esteja agora (como você se chama mesmo?)
nossos pensamentos, que ainda nem estão pensando no novo assunto do dia, lhe
farão companhia.
13.5.16
O Supermercado
Solitário agradece a sua visita
As 377 latas de sardinha do armário gritam para eu comprar mais
sardinha.
Vejo a entrada do mercado, mas passo pelos caixas e os cumprimento;
eles, como fazem todo dia, respondem.
No corredor da sardinha, a placa confirma: é ali. Mas
pergunto pro repositor onde é. O rapaz, de pouca fala (uma pena), diz um suave “aí”.
Pego uma só. Elas
estarão sempre aqui.
Esbarro de propósito numa
velhinha (as de echarpe são as melhores), me desculpo e pergunto pelos caixas. Ela
responde e já reclama dos preços, do governo, do frio que agrava a artrite, do “nervo
asiático” e do genro desempregado que pede cerveja cara. Como falei, são as
melhores.
No caixa, uso moedas pra demorar
mais. Repito o papo da velhinha, mudando a artrite pra espondilite anquilosante
(doenças exóticas geram perguntas).
E o grand finale:
na saída, a máquina do estacionamento me arrebata: “O Supermercado Solitário
agradece a sua visita”.
Eles ainda me agradecem por
ter vindo.