Miniconto

Pandemia


MEUS IRMÃOS E MINHAS IRMÃS!

Deus pôs o homem no mundo para sofrer! Mas não é sofrer um pouco só, não. Tipo depressão ou essas coisas que ricos dizem que têm. O homem nasceu foi pra penar muito!

Acha que é todo poderoso? Que constrói bomba atômica? Que vai pra lua? Que pode transar com todo mundo sem respeitar a sagrada lei da castidade antes do matrimônio?

Pois tome peste negra, sífilis, gonorreia, AIDS e esta que será a doença mais devastadora de todos os tempos.

Sim, irmãos. Porque essa gripe suína dá aos porcos, que são muitos, o que é do porco, a todos os que não são pouco.

Essas doenças, irmãs e irmãos, provam que não somos nada. Que viemos do pó e o pó vale mais que nós.

Muita gente vai chorar, arder, morrer. Mas isso ainda é nada diante da ira do Senhor.

Ira que só será amainada pelo sofrimento. Pelo cumprimento dos mandamentos. Pelos bons costumes. Pela castidade.

Mas a vocês que estão comigo na fé, digo que não se preocupem.

O Senhor dá a doença pra que a gente se cure um dia.

Há coitados açoitados no trem


Podia ser só um trem de ferro em que se ferram pobres de subúrbios segregados. Mas nele há coitados açoitados que ouvem na pele o ranger não dos trilhos, mas das chibatas da iniciativa duplamente privada.

Ao embarcarem num trem fantasma pior do que a realidade que desvivem, espremidos como bagaços cansados, são castigados por terem saído da linha da vida.

Quando as portas são abertas, em vez de encontrarem a saída, deparam com feitores modernos que os fazem lembrar que a escravidão ainda não acabou, pois não importa de que cor sejam, nunca terão a cor do dinheiro.

Para a empresa, em cada vagão em que vagam esses vagabundos, há apenas rebanhos tacanhos que precisam ser tangidos e tocados por alguns trocados.

No lucro dessa paga e no percurso dessa praga trilha gente sem caminho e cujo único destino é ser marcada a ferro, fogo e logro.

Quer sair?


Tem certeza? Não vai falar que tá ocupada agora? Que não tá fazendo nada, mas bateu uma preguiça? Que tá indo prum chá de bebê? Que cansou de me dar chá de cadeira? Que tá mal? Com cólica? Febre? Cansada? Que marcou médico? Que tem que ir pra ginástica? Que não pode perder a aula de ioga? Que deu cãibra? Que eu podia ligar depois? Que não a conheci num momento bom da sua vida? Que o tempo não tá bom? Que sou um cara legal, tenho um papo bom, beijo bem, mas... Que combinou um karaokê com uma amiga? Que não recebeu minha mensagem? Que não escutou o celular? Que tá voltando com seu ex? Que se não fosse isso a gente podia dar certo? Que mereço coisa melhor? Que tem jogo do São Paulo? Reunião no serviço? Que só ligo na hora errada? Que não tá a fim de vir pra cá? Que não dá para eu ir aí hoje? Que tá chovendo? Que vai aproveitar o sol na piscina? Que tá muito tarde? Que ainda é cedo?

Quer sair mesmo? Certo, então eu tô passando aí às... Se bem que o quê?

LAVAMOS


Ternos Camisas Camisinhas Roupas íntimas Desejos obscuros Meias Meias verdades Mentiras inteiras Calças Alças Ancas Blusas e desculpas esfarrapadas Cuecas (já pensou besteira, né?) Mentes sujas Lençóis com marcas de um tempo que passou Saudades rasgadas Blazers Roupas de baixo Baixarias Cintos Sentimentos Gravatas Bravatas Sapatos Sapatonas Muquenheiras Desmunhecados Babadores Babões Sutiãs Sutilezas Casacos Sacos Luvas Vulvas Tênis Moletons Manchas de batom Robes Roubos Sobretudos Poréns Acessórios Assassinos Ombreiras Olheiras Tamancos Mancadas Aventais Os tais

Inverdade


Quis saber da verdadeira verdade justo no dia da mentira.