31.3.10
“A tua santa tá querendo te enlouquecer"
Inspirado na música “Rede de varanda”, de Juliana Kehl
Lelê no fubá? Café na cama? Beijos de recompensa sem pensar? Perdões constantes pra erros eternamente repetidos? Minha vida vivida só pra você viver?
Bom ter um mundo assim, né? Mas chega! O prazo de validade da minha santidade acabou. Tudo isso foi só até ontem. A partir de hoje... se cuida! Porque eu, que tanto quis ter você, não queria ser você agora. Juro, não queria mesmo.
Essa calma sua vai explodir rapidinho. Sua empáfia vai se espatifar na parede. Um estado de nervos sediará a capital do seu país. Seu ego vai cair do trono. Sua sala vai virar uma cela. Seus amigos, que eram tantos, cuspirão na sua cara a saliva amarga e pegajosa da traição.
Se estou querendo enlouquecê-lo? Não. Isso é só pra você sentir na pele (considerando que você seja capaz de sentir alguma coisa) como é perder a razão por alguém que eu tinha toda a razão de perder.
22.3.10
A vida nova que você me deu
E quando tudo tava escuro no meio de tantos desencontros e me encontrando no fim de perdas que sempre reiniciavam, você surge, sorri e traz a luz. Não uma luz qualquer: a sua luz! Unicamente sua. Sim, sim, sim! Quem mais me alçaria do abismo em que já não me abismava de ficar? Só você! E pensar no jorro das noites sangrentas, no marasmo do turbilhão de tristezas, na calmaria irritante da voragem que a tudo destruía. Mas isso foi antes de você chegar. Sim, sim, sim! Porque agora sou outra pessoa. Melhor: sou milhares de outras pessoas com bilhões de projetos e planos ─ e ainda crio tempo pra outros zilhões: podem me chamar, podem me chamar! ─ e presepadas (que nem tudo é perfeito), mas com você tá perfeito e tá ótimo e tô feliz. Pois tudo se divide antes e depois de você. Só não posso dividir você com mais ninguém, porque com você sou a soma de tudo que não fui e o múltiplo de vários eus que jamais poderão ser subtraídos de você e da vida nova que você me deu.
E quando tudo tava escuro no meio de tantos desencontros e me encontrando no fim de perdas que sempre reiniciavam, você surge, sorri e traz a luz. Não uma luz qualquer: a sua luz! Unicamente sua. Sim, sim, sim! Quem mais me alçaria do abismo em que já não me abismava de ficar? Só você! E pensar no jorro das noites sangrentas, no marasmo do turbilhão de tristezas, na calmaria irritante da voragem que a tudo destruía. Mas isso foi antes de você chegar. Sim, sim, sim! Porque agora sou outra pessoa. Melhor: sou milhares de outras pessoas com bilhões de projetos e planos ─ e ainda crio tempo pra outros zilhões: podem me chamar, podem me chamar! ─ e presepadas (que nem tudo é perfeito), mas com você tá perfeito e tá ótimo e tô feliz. Pois tudo se divide antes e depois de você. Só não posso dividir você com mais ninguém, porque com você sou a soma de tudo que não fui e o múltiplo de vários eus que jamais poderão ser subtraídos de você e da vida nova que você me deu.
16.3.10
(Só)lilóquio
Falava só com o criado-
mudo.
Falava só com o criado-
mudo.
9.3.10
Figurantes principais
(Minipeça inspirada na ideia da peça “Os figurantes”, de Sinisterra)
Num restaurante onde as mesas ficam ao lado da cozinha, vemos uma cliente sentada e os empregados. A mulher olha muito pro relógio, como se esperasse alguém.
AJUDANTE DE COZINHA 3 - (chorando e cortando cebola) As cebolas estão piores ou eu tô mais triste?
QUASE MAÎTRE - Tomara que o maître não venha. Se não o despedirem, nunca serei promovido.
GARÇOM APRENDIZ - (para a mulher) Enquanto seu amante não vem, a senhora quer tomar algo? (ela nega).
POSSÍVEL NOVO AMANTE 4 - (vasculha os bolsos, pega umas moedas e uma nota amassada e dá a ela) Dez e vinte tá bom? (ela nega).
FAXINEIRA NOVA - (passando a vassoura nos pés da cliente) Vá embora, mulher! Homem que deixa amante esperando não presta.
POSSÍVEL NOVO AMANTE 3 - Trintão. Topa? (ela nega de novo).
ESTAGIÁRIO 2 - Se ovos fossem quadrados, seria mais fácil quebrá-los?
POSSÍVEL NOVO AMANTE 2 - Cem e mais o táxi. E aí? (ela olha pro relógio, pensa e pede pra ele sentar).
Fim.
(Minipeça inspirada na ideia da peça “Os figurantes”, de Sinisterra)
Num restaurante onde as mesas ficam ao lado da cozinha, vemos uma cliente sentada e os empregados. A mulher olha muito pro relógio, como se esperasse alguém.
AJUDANTE DE COZINHA 3 - (chorando e cortando cebola) As cebolas estão piores ou eu tô mais triste?
QUASE MAÎTRE - Tomara que o maître não venha. Se não o despedirem, nunca serei promovido.
GARÇOM APRENDIZ - (para a mulher) Enquanto seu amante não vem, a senhora quer tomar algo? (ela nega).
POSSÍVEL NOVO AMANTE 4 - (vasculha os bolsos, pega umas moedas e uma nota amassada e dá a ela) Dez e vinte tá bom? (ela nega).
FAXINEIRA NOVA - (passando a vassoura nos pés da cliente) Vá embora, mulher! Homem que deixa amante esperando não presta.
POSSÍVEL NOVO AMANTE 3 - Trintão. Topa? (ela nega de novo).
ESTAGIÁRIO 2 - Se ovos fossem quadrados, seria mais fácil quebrá-los?
POSSÍVEL NOVO AMANTE 2 - Cem e mais o táxi. E aí? (ela olha pro relógio, pensa e pede pra ele sentar).
Fim.
2.3.10
Noite quente pra sonhos fumegantes
Rio: 40 graus. Mas era bem mais. Era? A lua cheia agindo como um refletor incandescente a estimular todos os tipos de indecências. Como se algo precisasse ser estimulado ali nos arcos da Lapa.
Sonho tem temperatura?
A gringa morena dos seus sonhos surge do nada na barraca de caipirinha com seus olhos azuis e sorriso radiante e fala “oi” (o oi mais excitante que ouvira) e, logo em seguida, “tchau” (o mais brochante que escutara). Peraí: como assim oi e tchau? Onde aprendeu português? No Zimbábue? Mal bebeu e tá bêbada? Volta a fita.
Sonho tem cor e recomeço?
Explica que não se fala oi e tchau em seguida, só em começo e fim de conversa e o meio que faltou era o que mais queria. A australiana, sempre rindo muito, diz que quase ninguém no Brasil falou em inglês com ela, que na dúvida emendou um italiano, que a caipirinha tava ótima, que estava com as amigas e era uma pena que...
Sonho tem tradução?
Tchau de novo; agora se despedindo de verdade.
Sonho tem volta?
Rio: 40 graus. Mas era bem mais. Era? A lua cheia agindo como um refletor incandescente a estimular todos os tipos de indecências. Como se algo precisasse ser estimulado ali nos arcos da Lapa.
Sonho tem temperatura?
A gringa morena dos seus sonhos surge do nada na barraca de caipirinha com seus olhos azuis e sorriso radiante e fala “oi” (o oi mais excitante que ouvira) e, logo em seguida, “tchau” (o mais brochante que escutara). Peraí: como assim oi e tchau? Onde aprendeu português? No Zimbábue? Mal bebeu e tá bêbada? Volta a fita.
Sonho tem cor e recomeço?
Explica que não se fala oi e tchau em seguida, só em começo e fim de conversa e o meio que faltou era o que mais queria. A australiana, sempre rindo muito, diz que quase ninguém no Brasil falou em inglês com ela, que na dúvida emendou um italiano, que a caipirinha tava ótima, que estava com as amigas e era uma pena que...
Sonho tem tradução?
Tchau de novo; agora se despedindo de verdade.
Sonho tem volta?
