29.1.11

 
Ré-nuncia


Ultrapassar o limite de si para chegar ao começo do outro.

21.1.11

 
Ingrato grão


Digita catando milho.


Mas o último que falou isso levou três pipocos.

15.1.11

 
Lixo extra e ordinário

(A partir do filme “Lixo extraordinário”)


O que sobra na mesa do rico tem que ir pra mesa do pobre. Certo parceiro?

Errado!

Até seria, se a gente tivesse mesa, sala, casa e outros bagulhos que o povo tem. Se a gente fosse gente. E não esses zumbis que ficam moscando aqui. Sendo um resíduo a mais nesse mar de resíduos. Que as pessoas jogam fora e não tão nem aí. Mas que viram nosso ganha-pão. Um pão velho recheado de mortadela vencida e geleia de chorume.

Os restos da sociedade sobrevivem dos restos do que restou de vocês. Nada mais justo.

O quê? É, sei que não acham. Sacanagem a gente pegar busão junto com vocês catingando nosso perfume “Aterro do Bosque”.

Queriam enterrar a gente lá no aterro, né? Embaixo de 50 metros de lixo pra não ter a mínima chance da galera sair e lembrar a vocês que existe. Que o lixo de vocês, além de entupir bueiros, alagar ruas e mostrar como são podres, também existe.

E que pra gente ele vale muito mais do que vocês um dia sonharam em ser.

12.1.11

 
Minifato XIX
(a realidade goleando a ficção)



Diálogo resgatado entre os 120 pontos de alagamento em São Paulo (bem mais do que os 11 deste blogue “otimista”):
─ Repórter: “O sr. conseguiu recuperar o quê?”
─ Sem-teto: “Nada. A vida. Pronto.”

9.1.11

 
O poeta n.° 2

O poeta municipal
discute com o poeta estadual
qual deles é capaz de bater o poeta federal.
Enquanto isso o poeta federal
tira ouro do nariz.
Drummond


Segundos após a morte do poeta n.° 1, o celular do poeta n.° 2 desanda a tocar.

Querem saber o que ele achava do poeta n.° 1, qual a maior contribuição dele para a poesia, o peso da sua ausência e, acima de tudo, como se sentia sendo o novo n.° 1.

Décadas e décadas na fila de espera, torcendo pra alguém pôr vidro moído naquele chazinho da ABL, e ele, que tanto odiara o defunto, não sabia o que dizer.

Falaria que era não só um melhor poeta n.° 1, mas o mais genial poeta n.° 1 de todos os tempos? Que era mais brilhante que o falecido, embora este sempre o sombreasse? Que os melhores poemas daquele não preencheriam nem uma lápide média?

Não. Sua preocupação não era com o morto. Era com o poeta n.° 3, alçado hoje ao posto de poeta n.° 2 (seu antigo posto).

Preocupação justíssima, pois, como todos sabemos, a inveja sempre supera a poesia.

1.1.11

 
Lugares


Ficar embaixo de um carro pode ser bom, se você for uma pomba arrepiada e estiver chovendo.

Estar ensimesmado pode ser bom, se ainda houver alguém dentro de você que tolere sua insignificância.

Cair de um prédio pode ser bom, se seus fracassos não encontrarem mais chão pra afundá-lo.

Viver sob um viaduto pode ser bom, se você não tiver nem uma caixa de papelão ao relento.

Morar dentro da terra pode ser bom, se você for uma minhoca e não houver enxadas por perto.

Estar no deserto pode ser bom, se os mil amigos que o rodeiam o deixam ainda mais solitário.

Ficar com alguém numa balada pode ser bom, se o vazio que isso causar não superar o que o transborda com um imenso nada.

Jogar-se no mar pode ser bom, se seu maremoto interno for pior do que tudo que o tsunama.

Morar na rua pode ser bom, se os boyzinhos que ateiam fogo em mendigos preferirem matar um índio só pra variar um pouco.

Ser alguém em algum lugar por um certo tempo pode ser bom, se a dor de sê-lo for menor do que a de estar ali.

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