10.5.11
Família feliz (vende-se)
Do meu ventre, saíram criaturinhas que se juntaram a nós, cresceram e formaram uma família feliz.
Duma felicidade tão obscena que não cabia em nós e em nosso sorriso de poucas dezenas de dentes.
Precisávamos anunciar, gritar e estourar rojões pra que o mundo soubesse que, mesmo com as crianças morrendo de fome na Somália, os serial killers, os políticos no Brasil, o terremoto no Japão, nós éramos felizes.
Compramos os adesivos com as figuras (mãe, pai, três crianças, avô, avó, cão, gato, peixinho) que representavam nossa felicidade. E colocamos nos vidros do carro, nas portas do carro e de porta em porta pra que todos decorassem que...
Éramos.
O desenho do gato caiu; envenenaram o gato. Riscaram o cão; o Rex foi atropelado. Arrancaram os avós; os dois enfartaram. Picharam as crianças; as três morreram de dengue. O peixinho se afogou e meu marido me trocou pelo urologista.
E hoje eu... Eu... Eu prefiro nem sair pra que não vejam essa coisa estranha aí do espelho.