27.10.11
Texto proibido para quem ainda tem esperança
Não tentes achar neste texto o teu desfecho.
Se ele não se fecha em si, é para abrir em ti o caminho do desleixo.
Nem entres nestas entrelinhas de paralelas entrecortadas.
O que se espreme nelas não se depreende e nem se desprende do teu cérebro ausente.
São meras não-palavras apalavradas com o único intuito de ti apavorar.
Seus falsos significados fazem sentido hipotético num mundo hiperbólico de hipocrisias em crise.
O que dizer diante dos ditos reditos?
O que escrever pra não me escravizar em ti?
Por que ser entendido se é a ideia é não me estender?
Pra que ter este texto?
Pra livrar-te por alguns segundos do teu mundo moribundo?
Pra que completes lacunas de uma vida oca e una?
Pra mostrar-te que auto-ajuda apenas afunda a sua baixa estima?
Não.
Este texto vago só espera que tua esperança te dê um tranco depois deste trago amargo.
21.10.11
Lixo hospitalar
Dejetos não são nossos maiores defeitos.
São só peças esquecidas que nos lembramos de lhes enviar.
Que não podiam ficar aqui.
Que não combinam conosco.
Porque temos cura.
Cultura.
Riqueza.
De-sen-vol-vi-men-to!
E safadeza pra envolvê-los nisso.
Nesse lixo sórdido, fétido e moribundo dos nossos doentes.
Que vai transmitir a vocês o que temos de pior.
Sim, porque nosso pior é o que pode haver de melhor pra vocês.
Infeccionando-se de nós, talvez consigam um pouco do nosso DNA.
De moléculas de séculos de ódios de raça pura e preconceitos pútridos.
Das nossas doenças crônicas, ganâncias múltiplas e safadezas mórbidas.
Envoltos nesses lençóis, não se revoltarão mais com o frio.
Terão no leito o nosso re-jeito.
Tomarão nossos tumores, verão nossos vírus e gemerão com nossos germes.
Fizemos isso para curar vocês.
Curar vocês de serem vocês.
Infectando-os de nós.
12.10.11
Minicontos fraseados VI
(Retrospectiva dos 5 Anos)
Ultrapassar o limite de si para chegar ao começo do outro.
Grávidos só da gravidade e sua grave leveza. Partindo prum parto às avessas sem data pra cesarianarmos uns aos outros.
Estar ensimesmado pode ser bom, se ainda houver alguém dentro de você que tolere sua insignificância.
nosso torto DIREITO penal sem nenhuma PENA.
Giganteando-nos menos. Apequenando-se mais.
A ilusão é um falso chão.
a desgraça engraçou-se de nós.
em redemônios moinhos gigandantescos
Sob nossos pés já não sobrávamos sobre nós.
progressão geomórtica
Em cada trago, trago pra mim o estrago do meu eu.
inspirado por uísques e vodcas e cervejas sem marca e mulheres marcadas e papos marcantes
Tudo isso pra ver se, sendo tão depravada, eu goze, enfim, da re-putação da minha ex-vida privada.
vestida a caráter (o mesmo que lhe falta)
Quede vala que os valham?
bombeando o gozo da vitória napalm da mão de um tratado mútuo de cessar-fogo imposto à queima-roupa.
O manto úmido da saudade.
6.10.11
Exercício diário de desapego
Quando também caíram os olhos, começou a se preocupar.
“Quer saber? Até que pode ser bom.”
Depois das últimas perdas, maiores e mais freqüentes, não veria nada. Antes, só terror.
Começou com as unhas desunhando dos dedos sem motivo aparente. “Sem papo chato de manicure”, pensou. Mas daí as falanges dos dedos se rebelaram e desdenharam das mãos. Lembrou da sonhada aliança. “Puta pode se casar?” Não pode. Era um sinal.
Luta diária viver sem eles. Acostumou-se. Como a tudo na vida. Quem tinha um corpo que não pertencia nem a si não podia ficar com “essas frescuras”. Na agência ela era a submissa exótica. “Enfim um diferencial.”
O pé direito foi outro baque. “Porra! Por que não o esquerdo?” Clientes já rareavam. Sorte dela é que sexo bizarro é caro. E, considerando que agora ela tinha 37,3% do corpo e uma nádega, um peito e um nariz a menos, pagavam caro mesmo.
Menos o último, que queria despedaçá-la ainda mais.
“Dá tesão”, disse enquanto fatiava a alma dela no chão.