6.10.11

 

Exercício diário de desapego


Quando também caíram os olhos, começou a se preocupar.

“Quer saber? Até que pode ser bom.”

Depois das últimas perdas, maiores e mais freqüentes, não veria nada. Antes, só terror.

Começou com as unhas desunhando dos dedos sem motivo aparente. “Sem papo chato de manicure”, pensou. Mas daí as falanges dos dedos se rebelaram e desdenharam das mãos. Lembrou da sonhada aliança. “Puta pode se casar?” Não pode. Era um sinal.

Luta diária viver sem eles. Acostumou-se. Como a tudo na vida. Quem tinha um corpo que não pertencia nem a si não podia ficar com “essas frescuras”. Na agência ela era a submissa exótica. “Enfim um diferencial.”

O pé direito foi outro baque. “Porra! Por que não o esquerdo?” Clientes já rareavam. Sorte dela é que sexo bizarro é caro. E, considerando que agora ela tinha 37,3% do corpo e uma nádega, um peito e um nariz a menos, pagavam caro mesmo.

Menos o último, que queria despedaçá-la ainda mais.

“Dá tesão”, disse enquanto fatiava a alma dela no chão.


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