29.1.16
Por
qual razão uma família abandonaria uma casa com tudo dentro?
Móveis em perfeito
estado, mas egos em estado de sítio.
Armários
protegidos contra cupins, mas infestados de amantes e caras de pau.
Paredes
adornadas com gesso e requinte e vidas requentadas e engessadas.
Rejunte
em tudo o que já não os junta mais.
Óleo de
peroba para lubrificar a troca obrigatória de líquidos corpóreos e abraços corporativos.
Massa fina
que evidencia o reboco rococó e bocó dos olhos ocos de brilho, dos cílios postiços
e das crateras espinhentas da cara.
Ares-condicionados
de última geração que não disfarçam o clima infernal de gerações inteiras.
Quadros
caríssimos e multicoloridos contrastando com narinas, orelhas e veias já esverdeadas
pelo mofo impressionista do sarcasmo.
Som potente
para abafar gemidos de impotência.
TVs de
60 polegadas para sintonizar almas que se apequenam na gigante miopia de
sensibilidade.
Golpe do
baú pior que caixa de Pandora.
Sofá pra
sofrer.
Família
cheia de tudo.