25.12.07

 
A gente não tem natal


Essas luzes que pisca-piscam dão vontade de fechar meus olhos pra sempre. As mensagens e cartões e telefonemas que recebo são o recibo pra minha depressão aumentar ainda mais. Parecem vindas de outro mundo que com certeza não é o meu. Não entendo o porquê de tanta alegria. Como se a felicidade plena se resumisse a cinco quilos de peru com farofa. Estou farto dessa mesa farta. Preciso de remédio para não vomitar. Aqui, a gente só tem fartura de vazio. Do vazio das cadeiras que sobram e não voltarão a ser ocupadas. Das lembranças que amargam a memória e impedem o futuro. Do sono que é a única forma de ver a meia-noite não chegar e acabar mais cedo com essa data que nos maltrata tanto. Da vida que não foi e não será mais. Nunca mais como antes. Quando a gente também não tinha natal, mas ainda guardava alguma esperança de ter um dia.

18.12.07

 
Batida


Tô ouvindo seu coração batendo. O som invade seu quarto e ecoa no meu cérebro como uma canção de ninar. Até conseguiria dormir se já não estivesse sonhando. Agora, não escuto mais o maldito barulhinho do relógio que ficava impiedosamente me gritando que tenho hora pra sair daqui. Como se sair daqui fosse possível e como se este momento não fosse infinito. Sob você, nem sinto o frio que entra pela janela e não é páreo pro calor do seu corpo. Fico contente por ter causado essas reações que, acredite, foram ainda maiores em mim. Tão maiores que me pergunto se as mereço e tenho um medo enorme de ter rapidamente entregue a você todas as combinações de mim que há tempos estavam guardadas em lugares que nem mesmo eu lembrava. Por falar em lembrar, amanhã, quando você acordar, ficaria muito feliz se mostrasse que não esqueceu meu nome de novo.

10.12.07

 
Destaque do mês


O seu esforço é só um reforço da forca a que lhe forço.

É como se estendesse a corda que lhe estendo e entendesse que ela o transformará em mártir antes de partir.

Emoldurado, seu retrato esconde as gotas de suor e os sapos que seu sorriso finge engolir.

Vendo-o, meus (seus???) clientes saberão que poderão dispor e indispor do funcionário-otário do mês.

Comovidos, alguns até lhe dirão obrigado, outros, mais curiosos, tentarão adivinhar como vence 30 dias com o salário que eles gastam em um.

Seus colegas experientes rirão dessa sua cara que escancara tamanha inocência.

Pois quem esteve aí antes de você hoje não está nem aí por saber que não merece estar aqui.

Mas você, assim como eles, continuará a bater cartão e continência aos meus mandos e desmandos.

E quando estiver desmotivado e eu mandá-lo embora sem motivo, ficará orgulhoso de ter decorado esse quadro que também ajuda a espantar as moscas do meu gado.

Só então compreenderá que o destaque do mês foi destacado pra sempre.

4.12.07

 
Cela de menor


Meu problema não é estar aqui.

Cedo ou tarde, nem que seja muito, muito tarde, sei que vão me descobrir.

Até porque os berros desses marginais que me estupram seis vezes por dia atravessam as paredes desta cela, os ouvidos da delegada, a consciência do povo que passa em frente à delegacia e o sono dos juízes da vara da infância. Ainda que eles durmam tranqüilos por saberem que suas filhas jamais conhecerão a vara na infância.

O problema não é a fome. Dos daqui, tem um que é bonzinho. Me dá comida de vez em quando, enquanto os outros jogam porrinha pra ver quem vai jogar mais porrinha em mim.

O problema também não é pegar aquela doença que emagrece ou ficar prenha.

Porque a governadora falou que já vai estar mandando fazer novas celas femininas pra minha filhinha não passar por tudo e por todos que passei. Dizem que ela, que é mulher como a gente, até chorou.

Meu único problema é saber que saí daqui e, por maior que tenha sido o escândalo, continuarei sendo de menor. Muito menor.

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