28.8.07

 
O copo


Cada dia que o copo continuava cheio era uma vitória.

Vitória cujo troféu era o próprio copo posto ali, em destaque, no meio da mesa da sala.

Como se com isso gritasse a todos que nunca acreditaram nele: “Tão vendo? Eu não sou aquele bêbado de sarjeta que vocês tanto odiavam. Eu consegui parar! Sim, por mais um dia eu consegui parar!!!”.

Mas não havia ninguém a testemunhar sua pequena conquista pessoal. Como companhia, só o maldito copo que o encarava o dia todo.

Um copo mudo. Mas que ao mesmo tempo lhe dizia, e isso só ele podia ouvir, que cedo ou tarde (mais cedo do que tarde) perderia a batalha praquele minúsculo recipiente de 100ml de desgraça pura; que ele conhecia e temia como ninguém.

Por isso, ficava ali, de longe, evitando até se aproximar da mesa. Ainda que suas mãos tremessem e seu cérebro tivesse só um pensamento fixo: o de que um pequeno e último gole não lhe arruinaria.

Cada vez que pensava nisso se afastava mais da mesa. E do copo que parecia estar cada vez mais perto.

22.8.07

 
Sua saudade não vale um cartão da Telemar


Seu pulso não bate na mesma freqüência do meu coração que já cansou de pulsar.

Assim não fosse, os milhares de quilômetros de fios que me distanciam de você se renderiam ao fato de que não há distância, tempo ou dinheiro quando se quer alguém de verdade.

Porque sua voz, ainda que esteja como um timbre na minha memória (como tudo de você), precisa de novo alimentar o vício desses ouvidos que se acostumaram com ela e agora nada mais querem além do silêncio.

O mesmo silêncio mudo, surdo, cego e burro desse aparelho que não se toca e toca pra eu trocar a letargia por algum fio de esperança.

Esperança de ouvi-la de novo, já que vê-la seria pedir demais, embora mais de você nunca seja muito.

E porque nesta casa tão cheia de vazios, sua lembrança me faz recordar de que no mundo ainda tinha alguém que ligava pra mim.

E de um tempo em que a vida não me dava sinal de ocupado.

14.8.07

 
A volta

(ou A vida não é Algodoal)


Acorda sem vontade de acordar.

Levantar da cama pra quê?

O corpo e o cérebro já adivinhando o choque térmico e psíquico.

Na sala, sozinho, sai na sacada ainda tentando se libertar. É recepcionado pelo céu (?) plúmbeo, gélido e garoento de São Paulo. Não agüenta ficar comparando esta à imagem de outrora.

Na cozinha, as coisas como sempre parecem que nunca foram como sempre. O café com leite do seu jeito e o pão e as bolachas e as frutas de que gostava agora tinham o gosto do desgosto.

No pulso, o peso do relógio que há semanas não usava o re-corda que a liberdade tem hora marcada e não pulsa mais.

No dia, oito horas já não seriam suas.

No trabalho, a prévia certeza do cansaço e da pressão sempre muito maior do que 12x8.

Na parede, a porta por onde teria de passar e ir exatamente aonde não queria.

Na memória, lembranças de como a vida pode ser tão diferente desta que não é.

No pescoço, nunca o nó da gravata o enforcou tanto.

Nos olhos, quase uma lágrima.

No destino,

6.8.07

 
A volta da Manu


À Manu de Ajuruteua



Ela dá um acorde, pára, pega o copo de Campari, vira e diz: “sem ele eu não sou nada”.

Depois de Ângela Rô Rô, Zélia Duncan, Marina e Ana Carolina, ataca de Cássia Eller, dedicando a música, por coincidência ou falta de opção, a uma mesa formada por agitadas senhoras. “A mais animada do bar.”

Ao longe, a aparelhagem, lotada, tocava sem dó: “Faz um “S” pra mimmm! Faz um “S” pra mimmmmm!”.

Após puxar aplausos e um coro das quatro mesas ocupadas do bar quase vazio, Manu chora e sai correndo.

O bar (em coro): “VOLTA MANU! VOLTA MANU!”.

“Faz um “S” pra mimmmmmmmm!”

Nisso, um bichinha começa a brigar com as senhoras, dizendo ser dele(a) a mesa mais animada.

Fora o “Faz um “S” pra mimmmmmmmmmmmmmmmm!”, não havia outra opção.

Ânimos apaziguados, o bar fica em silêncio.

(...)

(...)

(...)

Só interrompido pelo “Faz um “S” pra mimmmmmmmmmmmmmmmmmmmmmm!”.

(...)

(...)

(...)

E pela volta da Manu, que senta, vira outro copo e canta: “Quem sabe eu ainda sou uma garotinha...”.

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