28.5.11
Brincando de Bukowski
Tudo isso que hoje ninguém entende.
Tudo que escrevi, tô escrevendo e escreverei e que esses primatas do mundo contemporâneo demorarão milênios pra entender, se é que um dia conseguirão ler.
Todos os calhamaços espalhados pelo chão desse porão infecto onde moro e que alguns otimistas até chamariam de lar, mesmo entulhado de garrafas de bebida, baratas e restos de orgias e drogas e que um dia vocês, que recusam minhas cartas diárias implorando pra publicarem meus trabalhos, reconhecerão como históricos.
Todas as noites em que passo nos bares, inspirado por uísques e vodcas e cervejas sem marca e mulheres marcadas e papos marcantes e seja lá o que esses botecos do subúrbio possam ter em suas instalações miseravelmente podres e tão bem adaptadas a nós, os miseráveis.
Isso é o cerne da minha literatura autodestruidora dos padrões, dos amigos, dos parentes, de mim e de qualquer vestígio do que possa ser chamado de relacionamento humano.
Tudo isso vai sobrar um dia.
Menos eu.
Minifato XXIV
(a realidade goleando a ficção)
Candidata a ser considerada a mulher mais velha do mundo, a fluminense Sebastiana de Lourdes Silva, de incríveis 116, não se casou e não teve filhos. Tentou uma vez morar com um namorado, mas se separou dele na primeira noite em que ficaram juntos. “Homem não presta”, diz Sebastiana.
18.5.11
Brincando de devassa
Em cada trago, trago pra mim o estrago do meu eu.
Aquela que era santinha (quem era essa monga mesmo?), que se casou virgem, que não bebia, que não fudia, que não vivia... Ah, ela felizmente morreu.
Sim, senhores, a estagiária dos juniores deixou de sandice e cresceu.
Ué... Não queriam o reverso do meu avesso?
Taí!
Me tornei a que não é nem de si mesma, mas é de todos.
Entornando a saideira da resaideira, vejo, sem hora pra sair, o mundo raiar pela porta fechada do meu bar doce lar.
A que era magrinha e quase não comia agora vive (?) em coma alcoólico no bucólico mundo de lodo do soro.
Não penso no amanhã porque me esqueci do ontem e não faço a mínima ideia de que dia é hoje.
Troquei as balas pelos doces, cracks e craques das baladas que embalam meu antieu.
Tudo isso pra ver se, sendo tão depravada, eu goze, enfim, da re-putação da minha ex-vida privada.
Minifato XXIII
(a realidade goleando a ficção)
Em Cacoal (RO) o pastor Rochinha, 38, era conhecido como íntegro e milagreiro, mesmo tendo, antes da conversão, se apresentado por oito anos em boates gays sob o pseudônimo de Shirley Mac Lanche Feliz.
Gozava de fama nacional por muitas vezes ser debatedor de temas ligados a religião e sexualidade em programas de TV.
Ana Paula, 23, irmã de Rochinha, acredita que seu casamento acabou pela constante recusa em praticar sexo anal com o marido, que era obcecado por isso.
Após ter dito isso ao irmão, que a apoiou, ela acha que ele se valeu dessa informação para oferecer ao marido um diferencial competitivo.
Flávio, 36, ex-marido de Ana, deu entrada na justiça em um pedido de guarda definitiva dos filhos gêmeos por acreditar que “é melhor um filho ser criado pelo pai e pelo tio do que por uma mãe solteira”.
10.5.11
Família feliz (vende-se)
Do meu ventre, saíram criaturinhas que se juntaram a nós, cresceram e formaram uma família feliz.
Duma felicidade tão obscena que não cabia em nós e em nosso sorriso de poucas dezenas de dentes.
Precisávamos anunciar, gritar e estourar rojões pra que o mundo soubesse que, mesmo com as crianças morrendo de fome na Somália, os serial killers, os políticos no Brasil, o terremoto no Japão, nós éramos felizes.
Compramos os adesivos com as figuras (mãe, pai, três crianças, avô, avó, cão, gato, peixinho) que representavam nossa felicidade. E colocamos nos vidros do carro, nas portas do carro e de porta em porta pra que todos decorassem que...
Éramos.
O desenho do gato caiu; envenenaram o gato. Riscaram o cão; o Rex foi atropelado. Arrancaram os avós; os dois enfartaram. Picharam as crianças; as três morreram de dengue. O peixinho se afogou e meu marido me trocou pelo urologista.
E hoje eu... Eu... Eu prefiro nem sair pra que não vejam essa coisa estranha aí do espelho.
Minifato XXII
(a realidade goleando a ficção)
“Senti frio e calor. Olhei pra cima e vi três moleques, um deles virando o pote
Ailton Vieira, sem-teto que foi ferido com soda cáustica, teve queimaduras de terceiro grau, relutou em ir ao médico, ficou um mês internado no hospital de São Mateus e não prestou queixa à polícia.
4.5.11
O alvo é a paz
Em busca da paz, esgotaremos nossos esforços e reforços para que ela paire e pare sobre nossas cabeças num instante tão eterno quanto um míssil teleguiado que esqueceu o endereço.
Flertando com ela, no cio e a ponto de explodir, eclodiremos de êxtase e arrombaremos a estase de suas vidinhas modorrentas bombeando o gozo da vitória napalm da mão de um tratado mútuo de cessar-fogo imposto à queima-roupa.
Mataremos diplomatas com a diplomacia e o carinho que nossa democracia exige, nossa mídia de merda louva e nosso povo não reprova.
Para que ninguém se esforce em atingi-la ─ até porque ela está-aí-sempre-esteve ─, perseguiremos a paz apaziguando terroristas e tocando o terror em tudo, não importando que também sejam abatidos inocentes e desavisados sem nenhum aviso-prévio.
Qualquer micróbio que ousar nos enfrentar será aniquilado com a precisão de uma bomba atômica, seguida de mil desculpas retóricas pelos milhões de mortos a mais.
Sob a paz, ficaremos enfim em guerra só conosco.
Minifato XXI
(a realidade goleando a ficção)
A estudante de direito Érica Passarelli, 29, que já esteve presa por estelionato contra lojas de luxo
Dias antes eles haviam combinado de forjar a morte dele para receber R$ 1,2 milhão de seguro de vida.
O pai desistiu do golpe.
Ela, não.